O dia nasceu com a promessa de perfeição. O carro brilhava sob o sol da manhã, o tanque cheio refletia a confiança de quem acredita estar no controle do destino. Era um almoço de aniversário, uma estrada tranquila, uma viagem que prometia ser tão leve quanto os risos que a acompanhavam. No porta-malas, presentes cuidadosamente acomodados; nos bancos, conversas leves e esperanças de um dia inesquecível. Tudo parecia em perfeita harmonia, como se a vida fosse uma máquina bem ajustada. E foi. Na ida, pelo menos.
A estrada acolheu nossa jornada com campos dourados e curvas suaves que dançavam com o horizonte. O carro respondia fielmente, como um amigo de longa data, e a conversa fluía, pontuada por risos fáceis. O almoço veio como um presente: comida deliciosa, companhia agradável e histórias que se cruzavam entre garfadas e goles. Tudo tão perfeito que parecia um daqueles raros momentos em que a existência encontra equilíbrio. Mas a vida, caprichosa como é, gosta de testar nossas certezas.
Na volta, a promessa era simples: mais duas horas de estrada e estaríamos em casa. Contudo, como dizia Heráclito, “nunca se entra duas vezes no mesmo rio”. Após 26 quilômetros, a perfeição cedeu lugar ao imprevisto. No meio da ponte Rio Ivaí, o carro perdeu a força, como se também quisesse lembrar que até as máquinas, tão previsíveis, têm seus caprichos. Atravessamos com dificuldade e paramos no acostamento. O sol abrasava, e a incerteza pesava mais do que o calor. Não era bateria. Não faltava combustível. O problema estava além do nosso alcance imediato.
“Mas onde exatamente estamos?”, alguém perguntou, enquanto o Waze, nosso companheiro eletrônico, nos localizava. A localização, porém, pouco diminuía a angústia. Após minutos que pareciam horas, chamamos o DER. Foi então que Izamir, o motorista do DER, chegou para nos socorrer. Com calma, ele isolou a pista e explicou os próximos passos: “Vamos levá-los a um local seguro. Não estão sozinhos.” Suas palavras trouxeram um conforto momentâneo, como um abrigo em meio à tempestade.
O guincho do DER chegou, Clodoaldo, um verdadeiro herói temporário. Subimos na cabine, enquanto o carro seguia atrás, imóvel como uma estátua. Mas, como tantas coisas na vida, o guincho do DER tinha limites. Ao chegarmos ao posto mais próximo, ficou claro que precisávamos de outro socorro. Era hora de buscar outro caminho. Ou melhor, outro guincho.
Enquanto esperávamos, o desgaste começava a aparecer. O calor e o cansaço transformavam pequenos incômodos em discussões. “Que merda”, alguém disse, com a irritação típica de quem sente o controle escapar. “Gratidão. Poderia ser pior”, rebateu outro, em um esforço quase heróico de manter a perspectiva. Poderia mesmo. Mas naquele momento, a frase parecia apenas um consolo vazio. Entre risos nervosos e longos suspiros, aguardamos o próximo salvador.
O guincho particular chegou, trazendo consigo o próximo capítulo da nossa jornada. O motorista, Sandro, trazia o filho junto, e sua experiência parecia torná-lo imune ao desespero. “Essas coisas acontecem, mas a gente resolve. Tudo se ajeita”, disse, enquanto ajustava o carro com a calma de quem já viu de tudo na estrada. A viagem até a cidade foi silenciosa, intercalada por reflexões sobre a fragilidade do controle que achamos ter sobre a vida. Não era apenas o carro que estava sendo levado de volta; era também a nossa compreensão de que, às vezes, o melhor que podemos fazer é confiar.
Chegamos à cidade. A casa nos esperava como um porto seguro após a tempestade. Dormimos bem naquela noite, não porque tudo estivesse resolvido, mas porque, apesar de tudo, havíamos chegado.
No dia seguinte, o carro, fiel companheiro de tantas jornadas, foi levado por Lucas ao mecânico Diego. Ele começou com uma frase que carregava mistério e esperança:
“Sr., para fazer o orçamento, precisamos colocar a correia dentada e testar o carro. Só assim vamos entender o que realmente estragou.”
Era como jogar dados com o destino. Após horas de espera, o mecânico reapareceu, com um sorriso quase profético.
“Parabéns, Sr.! O senhor acertou na Mega-Sena. A correia arrebentou, mas não entortou as válvulas.”
Por um instante, tudo fez sentido. Não era um grande prêmio financeiro, mas a sorte de escapar de um desastre mecânico. O carro estaria pronto à tarde, e nós seguiríamos adiante. A correia, frágil e quase imperceptível, simbolizava o fio que separa o caos da calma. Às vezes, a sorte não está em ganhar, mas em não perder.
Por fim, quando tudo parecia resolvido, uma lição maior se revelou: a força dos nomes. Isamir, com sua calma e segurança, nos tirou da ponte. Clodoaldo, com seu jeito sereno, transformou o transporte em alívio. Sandro, Lucas e Diego, cada um com paciência e dedicação, ajudaram a devolver a normalidade ao que parecia perdido.
Esses nomes, que poderiam passar despercebidos, agora são parte de uma memória que reforça o quanto dependemos uns dos outros. Não importa se são socorristas, guincheiros ou mecânicos. Eles foram as engrenagens invisíveis que fizeram o caminho voltar a seguir.
No final, aprendemos que, mesmo nas estradas mais acidentadas, nunca estamos sozinhos. Entre risos, indignações e aquele peculiar senso de gratidão que insiste em florescer, seguimos em frente. Afinal, por mais que o caminho nos teste, ele sempre encontra um jeito de nos levar para casa.